O rapaz que tinha medo
— Mas que medroso que eu sou — dizia o rapaz que tinha medo falando de si para si. — Se alguém passa à minha frente na fila da padaria, não me atrevo a protestar. Não visto as minhas calças de flores preferidas com medo que se riam de mim. Se à noite ouço um barulhinho estranho, penso logo que tenho um fantasma debaixo da cama. Quem me dera ser um pouco mais corajoso.
— Será que alguém me pode ajudar? — perguntou a si próprio o rapaz que tinha medo. Foi procurar nas Páginas Amarelas a secção Ajudar Rapazes Com Medo. E encontrou o seguinte anúncio: A Árvore Mágica. Sucesso garantido. Consultas, só no local.
É isto mesmo que eu tenho que fazer — pensou o rapaz que tinha medo.
E telefonou para marcar uma consulta.
Na manhã seguinte, o rapaz que tinha medo pôs-se a caminho da Floresta Selvagem e Feroz, pois era ali que vivia a Árvore Mágica.
Eu vivo na Floresta Selvagem e Feroz cheia de criaturas selvagens e ferozes. Mas não tenhas medo, elas não te farão mal — tinha dito ela ao telefone.
Ainda bem que a Árvore Mágica o tinha avisado, porque mesmo logo à entrada da Floresta Selvagem e Feroz estava um enorme e terrível dragão. Deitava grandes nuvens de fumo pelo nariz e, de vez em quando, cuspia fogo.
— Onde é que tu vaiiiiiissss? — rugiu o dragão quando viu o rapaz que tinha medo. O rapaz engoliu em seco. Depois lembrou-se do que a Árvore Mágica lhe tinha dito: não tenhas medo! Olhou directamente nos olhos amarelos do dragão e disse:
— Vou ver a Árvore Mágica. Tenho uma consulta com ela.
— Ah! — disse o dragão. — Então podes passar. Vais sempre em frente e no terceiro esqueleto flutuante viras à esquerda. Já agora, dá os meus cumprimentos à Árvore Mágica.
O rapaz que tinha medo prosseguiu o seu caminho e entrou pela Floresta Selvagem e Feroz adentro.
E foi então que ouviu um assobio agudo: SIISSSSSS… e sem perceber como, viu-se pendurado numa árvore de cabeça para baixo.
Uma enorme aranha de patas peludas arrastava-se lentamente na sua direcção.
— Carninha de rapaz que tem medo! Nham nham a minha comida preferida!
Ainda bem que eu sei que não me fazem mal. Afinal um bicho destes mete medo a qualquer um — pensou o rapaz que tinha medo.
— Solta-me por favor — pediu ele. — Tenho de ir ter com a Árvore Mágica.
— Oh que pena — suspirou a aranha. E com cuidado tirou os fios que o prendiam. — Diz à árvore mágica que tenho o seu cachecol quase pronto — disse ela. — E para ti uma boa viagem.
O rapaz que tinha medo prosseguiu o seu caminho pela Floresta Selvagem e Feroz.
Estava tão escuro que ele mal conseguia ver.
Tinha acabado de descobrir uma tabuleta que indicava o trajecto para a Árvore Mágica quando, de repente, sentiu uma mão gelada a pousar-lhe no pescoço.
O rapaz que tinha medo voltou-se e… ali estava a bruxa mais feia que alguma vez tinha visto. Tinha aranhas e baratas penduradas no cabelo e cheirava horrivelmente. Os seus olhos chispavam malvadez.
— Que fazes tu no meu quintal? — grasnou ela.
Ai! Ai! — pensou o rapaz que tinha medo — Felizmente ela não faz mal.
Assim lhe tinha dito a árvore mágica!
— Desculpe minha senhora — disse ele educadamente — eu não sabia que estava no seu quintal! Mas aqui está tão escuro… Eu vou a caminho da Árvore Mágica.
— Bem vá lá… — disse a bruxa — não estragaste nada. Toma, esta abóbora é para a Árvore Mágica, para ela fazer uma rica sopa!
E o rapaz que tinha medo lá foi avançando pela Floresta Selvagem e Feroz.
De vez em quando roçavam-lhe morcegos pela cara, ouviam-se uivos de lobos que pareciam gritos de terror, mas ele não ligava.
No terceiro esqueleto flutuante, virou à esquerda.
Ali estava a Árvore Mágica.
Consulta só com marcação e não incomodar durante a hora do almoço. Podia ler-se num cartaz.
— Olá Árvore Mágica. Eu sou o rapaz que tem medo. Fui eu que telefonei.
— Então cá estás tu — disse a Árvore Mágica. — Humm… não encontraste o dragão?
— Encontrei pois — disse o rapaz que tinha medo. — Manda-te cumprimentos.
— E a aranha não te incomodou?
— Nem pensar! Ah! O teu cachecol está quase pronto.
— Então e a bruxa?
— Sim, também vi —- disse o rapaz que tinha medo. — Olha, até me pediu para te entregar esta abóbora.
— Aah — disse á árvore mágica. — Muito bem.
Depois de muito tempo calada, perguntou:
— Então, diz-me lá, rapaz que tem medo, em que posso ajudar-te?
— Estou tão farto de ser um rapaz quedem medo — disse ele baixinho. — Gostava tanto de sei mais corajoso…
Então, a Árvore Mágica sorriu e disse solenemente:
— O teu desejo será concedido. A partir de agora és um rapaz muito corajoso! Pronto, a consulta acabou. Boa viagem.
Muito contente, o rapaz que tinha medo voltou para casa e, enquanto atravessava novamente a Floresta Selvagem e Feroz, pensava:
Que árvore maravilhosa, transformou-me num instante num rapaz muito corajoso. A partir de agora nunca mais vou ter medo!
Quando chegou a casa, vestiu as suas calças preferidas, as de flores, e foi à padaria.
— Desculpe mas eu estou à sua frente — disse ele a uma senhora que tentava tirar-lhe a vez na fila.
Comprou dois bolinhos de chocolate, um para si, e o outro para o fantasma, que podia aparecer debaixo da sua cama.
Mathilde Stein&Mies van Hout
O Rapaz que Tinha Medo
Lisboa, Ana Paula Faria – Editora, 2006