A pequena aranha que queria tudo, tudo, tudo
Como todas as aranhas, Matilde, condessa de Milbocados, tricotava excelentemente. Com as suas patas muito finas, tricotava várias teias belas e sólidas apenas numa noite! Todas as aranhas gostam de ter várias casas, mas Matilde era demasiado ambiciosa. Tinha estendido as suas teias um pouco por todo o lado: por cima de uma aveleira, no sótão, na cozinha. Mas ainda lhe faltavam seis, oito, doze casas, sem contar com o castelo!
Na teia principal, Matilde guardava a comida: pedaços de folhas de Outono, bocados de lã recolhidos em cachecóis, raminhos apanhados do chão, sem falar das provisões de moscas e mosquitos que se tinham alojado na sua despensa sem saber o que os esperava. Matilde chegava a ter cinquenta em conserva. O que não deixa de ser excessivo para um minúsculo estômago de aranha como era o seu.
─ Porque precisará ela de tantas coisas? ─ perguntavam-se as primas.
A sede de aquisição de Matilde não tinha sossego. Quando uma vizinha apanhava um bocadinho de mosquito, a condessa ficava verde de raiva. Aliás, sempre que algo se mexia no ar, Matilde estendia as patas ávidas. Fazia o registo de todos os seus tesouros num grande livro, mas usava tinta transparente, para que ninguém pudesse lê-lo.
Não se sabe ao certo por que razão Matilde era assim. Sabia-se que os pais tinham sido aspirados por um aspirador de marca Torpedo, num dia de limpeza de Primavera. Diz-se que nem sequer chorou. Partiu para outro lugar e começou a armazenar coisas inúteis na teia. De vez em quando, organizava festas para as primas, mas fazia-o unicamente pelos presentes. Punha um pratinho de mosquitos e pulgões em cima da mesa e engolia os presentes com gula.
Passado algum tempo, viu-se sozinha. Quem quereria visitá-la? Matilde sentia-se tão triste que começou a tecer teias pretas. Eram teias sinistras. Como ninguém lhe dava amor ou carinho, começou a armazenar ainda mais moscas, mosquitos, pedaços de lã e raminhos. De noite, chegava a roubar bugigangas das casas das vizinhas. Sabia que o seu comportamento estava errado, mas era mais forte do que ela. O que ela queria era amor, mas ninguém lho dava.
Num dia de grande tristeza, Matilde apanhou na sua teia o conde de Meuquerido, um aranhiço delicioso, com olhos de veludo, que ficou radiante por ter sido roubado. Ele mesmo não sabia o que fazer com as patas. Os nossos apaixonados tiveram muitos bebés-aranha e construíram uma teia de seis andares, que não era destinada a conservar mosquitos, mas a acomodar todos os bebés. Matilde, radiante, começou a tricotar teias cor-de-rosa e azuis. Distribuiu tudo o que tinha armazenado na despensa, rasgou as páginas do livro escrito a tinta transparente, e fez figurinhas de papel para todos os seus filhos. Amava e era amada. O que mais podia ela querer?
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O roubo é sempre um sintoma: a criança rouba por frustração e compensação, porque está triste. Há crianças para as quais é extremamente importante “ter”. Talvez esteja a passar por uma fase de transição, talvez esteja preocupada e ansiosa. Pode sentir-se posta de lado, pode sentir que não tem tudo o que merece.
Por volta dos 6-8 anos, a criança pode roubar por desafio, ou para fazer parte do “grupo”.
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Não trate o seu filho como um ladrão, mas seja firme com ele. “Não tens o direito de roubar! Ninguém tem! Quando somos crianças, não vamos para a prisão por causa disso mas, quando somos adultos, podemos ir presos!”
Diga-lhe o quanto o ama e o quanto confia nele. “Confio em ti. Sei que o fizeste só desta vez. Foi um erro. Não és um ladrão e não és mau.”
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Fale com o seu filho. Diga-lhe coisas como:
“Matilde, a pequena aranha, quer tudo para si. Fica muito invejosa quando vê alguém que recebe alguma coisa que ela não tem. Quer possuir tudo. Chega a roubar. Roubar é proibido.
Achas que ela é mesmo má? Eu não acho. Penso que o seu coração está muito triste. Matilde acha que se tiver muitas coisas será feliz. Mas, como já te deste conta, quando temos um brinquedo novo, queremos logo outros a seguir… Temos sempre vontade de ter coisas diferentes e os desejos podem nunca mais acabar. É por isso que não interessa ter tudo. De qualquer forma, também não poderias ter tudo, porque eu não posso comprar-te tudo. Mas se vires alguma coisa que te agrada, diz-me. Anoto-a na minha agenda e posso oferecer-ta no Natal, no teu aniversário….”
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Segundo estatísticas americanas, uma criança em três é vítima de chantagem na escola. Será que se trata de um fenómeno ligado à pressão da sociedade de consumo, ao aparecimento da criança consumista, à proliferação das marcas, que deixam os nossos filhos tão invejosos?
Quando a criança sente necessidade de dar o que tem, pode ser porque quer conquistar os outros, fazer amigos. Mas também pode ser porque a obrigam. Mostre-se firme. Se o seu filho trouxer para casa objectos que não lhe pertencem, mesmo que não sejam muito valiosos, interrogue-o sobre a sua proveniência e, se possível, devolva-os ao proprietário.
Caso veja que o seu filho mudou de comportamento (tem medo de ir para a escola, os resultados escolares estão visivelmente a baixar), impeça-o de levar seja o que for que lhe possam roubar.
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Diga-lhe que os objectos pertencem aos seus donos:
“O teu saco de berlindes foi-te dado pelo teu aniversário. É teu. Claro que o podes dar. Mas não irás arrepender-te?” É claro que se pode emprestar e depois recuperar o que é nosso.
Lembre-lhe o valor das coisas:
“Um berlinde não equivale a um lanche. Precisamos de comer.”
Seja firme:
“Proíbo-te de dares o teu lanche. Se o fizeres, estás a proceder mal. Se algum dos teus colegas não tiver lanche, podes partilhar com ele. Nada mais.”
Recorde-lhe que dar é um acto gratuito:
“Tens o direito de dar o que quiseres, de ser generoso. É bom dar coisas sem esperar nada em troca. Mas não dês coisas em troca de amizade. Os verdadeiros amigos gostam de ti pelo que és, não pelo que tens.”
Se o seu filho for vítima de chantagem, diga-lhe que os adultos vão para a cadeia por roubar. Ajude-o a respeitar-se e a fazer-se respeitar:
“ Não podemos aceitar que os outros nos roubem, que toquem no nosso corpo. Ambas as atitudes mostram falta de respeito para connosco.”