E viva a diferença

diferença 6

Naquele país havia uma cidade.
E nessa cidade havia uma escola.
Nessa escola, havia um recreio.
E, nesse recreio, estava uma criança sozinha: Lucien.
Mas tempos houve em que Lucien tinha um grupo… Até era ele o chefe!
Do seu grupo faziam parte a Anaïs, o Benjamin, a Judith, o Jérôme, o Lâo, o Loïc, o Manuel, a Karina e o Mathieu.
Mas agora já nada é assim.
E querem saber porquê?

Certa manhã, chegou à escola uma aluna nova.
Chamava-se Khelifa.
O Lâo logo propôs à Khelifa que fizesse parte do grupo.
Mas o Lucien não gostou da ideia.
Lâo – E porque é que não pode ser?
Lucien – Porque ela não é francesa.
Lâo (espantado) – E onde é que foste buscar essa ideia?
Lucien – És vesgo ou quê? Ela é árabe!
Lâo – E então? Pode ser árabe e ser francesa.
Lucien (irritado) – Os árabes não são como nós!
Lâo – Como nós, quem?
Lucien (muito irritado) – Não são como tu ou como eu!
Lâo – E então? Nós também não somos parecidos um com o outro.
Lucien (mesmo muito irritado) – Tu é que não és parecido com ninguém!
Lâo – Ah, é? Então, adeusinho.
Lucien (surpreendido) – Onde vais?
Lâo – Vou ter com aquela que não se parece connosco!

E foi assim que o grupo do Lucien ficou com menos um elemento.

O Manuel aproximou-se do Lucien.
Manuel – Porque disseste ao Lâo que ele não era igual a ti?
Lucien (com ar de gozo) – Já ouviste o pai dele? Fala chinês!
Manuel (espantado) – E o que é que isso importa?
Lucien – Para estar no meu grupo, é preciso que o pai fale francês.
Manuel (franzindo o sobrolho) – E os nossos avôs, também têm de falar francês?
Lucien – Sim! E a nossa mãe também, e a nossa avó também!
Manuel (dando meia volta) – Olha, o meu avô só fala português. Por isso, adeusinho.
Lucien (vexado) – É isso mesmo! Estrangeiros com estrangeiros!

E foi assim que o grupo do Lucien ficou com dois elementos a menos.

A Anaïs, a Judith e a Karina, as três meninas do grupo, aproximaram-se por sua vez do Lucien.
Judith – O que é que estás para aí a dizer? Nós não queremos saber se o avô do Manuel fala francês ou não!
Karina – E se o pai não falar francês, isso também não nos incomoda.
Anaïs – E se o Manuel não falasse francês… podíamos ensiná-lo!
Lucien (ameaçador) – Calem essas bocas!
Meninas – Adeus, senhor Manda-Chuva!
Lucien (murmurando) – É isso mesmo… boa viagem…

E foi assim que o grupo do Lucien ficou com cinco elementos a menos.

Logo a seguir, o Benjamin passou por ali.
Lucien – Ó Bolinha! Vai dizer àqueles palermas que são todos uns idiotas!
Benjamin (gaguejando) – Eu… eu não gosto que me chames Bolinha.
Lucien (gozando) – Ai não… Bolinha?
Benjamin (com voz trémula) – Não… Bolinha, não…
Lucien (insistindo) – Porquê… Bolinha?
Benjamin (a fugir) – E já não quero que sejas o meu chefe!
Lucien – É isso mesmo! O reboludo que fique com as raparigas e com os estrangeiros!

E foi assim que o grupo do Lucien ficou com seis elementos a menos.

Furioso, o Lucien pôs-se a chamar o Loïc e o Mathieu.
Lucien (autoritário) – Quero que vão bater naqueles idiotas!
Loïc – Hum… eu não gosto de lutas!
Mathieu – E eu também não!
Lucien (a troçar) – Covardes!
Mathieu e Loïc (ao mesmo tempo) – Vai lá tu!
Loïc (arrastando Mathieu) – Nós preferimos brincar com eles…
Lucien – Desengonçados! Meninas!

E foi assim que o grupo do Lucien ficou com oito elementos a menos.

Atrás do Lucien, o Jérôme assistiu a tudo.
Sempre admirou o Lucien por este falar alto e grosso.
Mas, ao mesmo tempo, tem-lhe algum medo.
Principalmente quando ele cerra os punhos e fica com os olhos a lançar faíscas, como neste momento.
Em pezinhos de lã, o Jérôme aproveita para se afastar.
Lucien (a rugir) – Onde é que vais?
Jérôme (gaguejando) – Bom… Já só estamos dois…
Lucien – Estás a abandonar-me?
Jérôme (a recuar) – Não… mas… eu…
Lucien – É isso mesmo, vai-te embora, meu grande traidor!

E foi assim que o grupo do Lucien ficou com nove elementos a menos.

Fora de si, o Lucien sobe para um banco e grita:
– Eu é que sou o chefe! Eu é que sou o chefe!
De seguida, a Khelifa aproxima-se dele e diz:
– Pareces um cão a ladrar cheio de medo… Desce daí e anda brincar connosco.
Lucien (a ganir) – Vocês não são como eu!
Khelifa (suspirando) – Como queiras…

E foi assim que, no recreio da escola de uma cidade desse país, o Lucien ficou sozinho com o único menino parecido com ele: ele próprio!

Thierry Lenain ; Delphine Durand (ill.)
Vive la France !
Paris, Éditions Nathan, 2012

E viva a Diferença  – Thierry Lenain: descarregar pdf

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