Manuela não compreendia: na escola diziam-lhe que os telhados das casas se pintavam de vermelho, mas não era essa a cor que tinham os telhados na sua aldeia. Todos os telhados das casas eram pretos, da cor do carvão.
Não compreendia por que razão tinha de pintar de verde as folhas das árvores, quando ela recordava uma grande variedade de tons, do amarelo ao castanho, à medida que o Outono ia chegando ao fim.
Não conseguia integrar-se no novo colégio nem na nova turma. Recordava a aldeia, onde tudo era diferente, e bem no fundo do coração desejava muito regressar. A mãe, após a morte do marido na mina, tinha decidido fugir daquele lugar que lhe recordava sofrimento e, por isso, fora viver com os filhos para a cidade onde morava a irmã.
Aquele era um lugar demasiado grande para Manuela, demasiado frio, um lugar onde se sentia muito sozinha. Realmente, tinha perdido muito com aquela mudança… No entanto, Manuela não se deu por vencida e resolveu demonstrar aos seus colegas de turma e à professora que na sua aldeia os telhados eram pretos da cor do carvão. Por isso, disse-lhes:
— Pintei de preto o telhado da casa, porque na minha aldeia todos os telhados são dessa cor.
— Manuela, queres dizer aos teus colegas onde fica a tua aldeia?
E ela, timidamente, dirigiu-se ao mapa que estava exposto na parede, e apontou com o dedo a terra onde nascera.
— E aí todos os telhados são pretos? Conta-nos porquê — pediu a professora.
— É porque são de ardósia — respondeu ela, enquanto todos os colegas se riam.
— Vamos lá ver, meninos! Quem sabe o que é a ardósia?
Vários colegas levantaram o braço e, por indicação da professora, uma disse:
— É o quadro onde se escreve com giz.
— Mais alguém sabe alguma coisa sobre a ardósia? — voltou a professora a perguntar.
Desta vez ninguém levantou o braço e Manuela explicou que era um tipo de pedra que se extraía das montanhas, com a qual eram feitas as telhas que cobriam os telhados das casas.
— Muito bem, Manuela! — disse a professora.
Mas Manuela, ao ver que os colegas punham a língua de fora e faziam gestos de desprezo, ficou menos contente com a aprovação da professora do que se esperava. Recordou então a mina onde morrera o pai, a aldeia onde tinha nascido, a antiga professora, as colegas de escola. Ali, nunca se tinham rido dela, tinha boas amigas e andava quase sempre alegre.
— Então, Manuela! Vai para a tua mesa e lembra-te que aqui, os telhados são vermelhos, e que é de vermelho que deves pintá-los.
Manuela não compreendia porque tinha de o fazer, mas sentiu que aquela não era a melhor altura para contrariar a professora.
No recreio ninguém queria jogar com a “ardósia”, o nome que lhe chamavam pelas costas. E, a partir daquele dia, Manuela passou a andar sempre sozinha. Observava os pardais e pensava… E, pouco a pouco, começou a pintar de preto não só os telhados, mas também as portas e as janelas das casas, e começou a pôr trancas quer nos desenhos quer no seu coração.
A mãe estava preocupada, mas achava normal que, enquanto não se integrasse no novo colégio, a filha se sentisse triste. Os tios não eram muito atentos aos filhos e também não se aperceberam da sua tristeza, achando que ela estava a crescer e que era por isso que já não brincava tanto.
Ainda bem que Manuela aprendera a ler na sua aldeia, porque os livros tinham-se transformado na sua tábua de salvação. Submergia-se nas aventuras que lia, e sentia, como os protagonistas, tudo o que se passava com eles. E muitas vezes sorria ao imaginar certas cenas…
— Manuela! Pára de ler que o jantar está na mesa! — dizia a mãe quase todos os dias.
— Já vou, mãe! — respondia ela, mas custava-lhe muito deixar o livro num momento emocionante.
— Mãe, quando for grande, quero ser escritora — dizia ela.
— Acho muito bem, filha, mas agora come, que já é muito tarde e tens de deitar-te.
Por vezes, sonhava que tinha muitas amigas a quem lia contos ou que, montada num grande pássaro dourado, percorria lugares maravilhosos. Outras vezes, sonhava que falava com os castanheiros da sua aldeia, ou que era a heroína de uma história fantástica e que salvava muitas pessoas…
Durante muito tempo, mantiveram-se o afastamento e a crueldade dos colegas de escola, a troça e a indiferença destes até que, finalmente, chegou o dia da entrega dos prémios do concurso de contos do colégio.
Manuela foi a vencedora. Todos a aplaudiram e, a partir desse dia, duas ou três colegas da turma começaram a juntar-se à sua volta, no recreio, e pediam-lhe:
— Manuela, por favor, conta-nos uma história!
E Manuela lia em voz alta, enquanto as colegas a escutavam atentamente.
Pouco a pouco, Manuela começou de novo a pintar com todas as cores do seu estojo: telhados pretos e telhados vermelhos, árvores com folhas verdes e árvores de folhas amarelas, jardins com flores de todas as cores, janelas brancas com cortinas e casas com chaminé.
B. I.