– Que é isso?
– Isso o quê?
– O que estás a cantar?
– É a cantiga daquele pássaro. O preto, de bico amarelo, aquele ali, naquele ramo.
– Não é nada! Isso é música de gente, é uma música do rádio!
– Não é não! Não é não… é a música do passarinho.
– E os pássaros ouvem rádio?
– Não sei… mas sei que se fosse eu a fazer as músicas da rádio, era assim que as fazia.
– Assim como?
– Como nós estamos. Estendia-me no chão e ficava a ouvir.
– A ouvir os passarinhos?
– Tudo! A ouvir o mundo.
– Engraçado… aquele pardal, acho que está a cantar com o teu pássaro.
– E o grilo com o vento.
– E o vento com as árvores.
– Só falta pôr as palavras… mas eu não tenho as palavras, só a música.
– E temos de pôr palavras redondas como o pássaro de bico amarelo, pontiagudas como o grilo, suaves como o vento…
– E tu sabes essas palavras?
– Eu não… mas o tio João é poeta, ele sabe!
– E achas que ele quer vir aqui deitar-se connosco?
Maria Isabel Moura