O Lobito Alberto e os Matulões

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Diga-se que Lobito era muito educado, tinha os olhos claros e os dentes muito certinhos, sinal de delicadeza entre os lobos bebés. Distinguem-se ao longe os lobinhos civilizados. Olham para a biqueira dos sapatos, ficam corados por detrás do pêlo, dizem “obrigado”, “se faz favor”, e têm modos comedidos. Quando não os conhecemos, podemos pensar que são tímidos. Mas são apenas reservados.

Um dia, o pai de Lobito decidiu mudar de trabalho. Lobito mudou de casa, mudou de covil e também de escola.

— Vais ver que depressa fazes amigos. Todos os lobos pequenos fazem amigos depressa, porque vivem em grupo — prometeram-lhe os pais:

“Isso são ideias de adulto!”, pensava Lobito, que sabia que, aos oito anos, não se fazem amigos na escola com facilidade.

No primeiro dia, chovia no pátio do recreio. Lobito sentiu-se só e cheio de timidez, apesar de vestir um pólo e trazer uma pasta da marca Superlobinho. Toda a gente sabe: todos os lobinhos gostam de coisas de marca, para fazerem esquecer que não são uns Superlobinhos. E ali está o nosso Lobito no pátio ensurdecedor, perdido no meio de gritos de surpresa, de alegria e de raiva. Bastava um simples olhar para nos apercebermos de que os lobinhos andavam aos pares, em grupos de três ou em bando. Nenhum estava só, excepto ele.

De repente, viu, ao fundo do pátio, três matulões que vinham na sua direcção, a mascar pastilha elástica.

— Olá, miúdo. Olha lá, tu tens uma mochila Superlobinho!

— Bom dia. Sim, é uma Superlobinho — respondeu ele com delicadeza.

Um dos três matulões assobiou:

— É uma Superlobinho autêntica. Vê-se à distância. É que também as há falsas. Superlobinho falsas e que não prestam para nada.

— Sim, falsas, eu sei — respondeu Lobito seguro de si.

— Olha lá, ó puto, os teus pais têm massa? — perguntou o mais gordo dos matulões.

Lobito deu um ar de riso, mas não respondeu, porque não sabia mesmo. Já tinha perguntado uma vez à mãe se eram ricos ou pobres. E a mãe tinha-lhe respondido:

— Mais ricos do que pobres, mas não muito — e acrescentara: — Um lobinho educado não se mete nesses assuntos.

Lobito ficou-se por ali com as perguntas, pensando que os assuntos de dinheiro eram muito complicados para os adultos. Ficou a olhar para as sapatilhas com um ar embaraçado, e pensava: “Mas o que é que estes querem de mim?” Dominado pelo olhar dos três, pareceu-lhe que a pasta estava a soltar-se-lhe das costas!

Naquele momento a campainha tocou. O segundo matulão disse:

— Como é que te chamas?

— Alberto Lobito — respondeu Lobito.

— Encontramo-nos outra vez à saída?

— Está bem — respondeu Lobito, dividido entre o sorriso e as lágrimas.

É que, apesar da atitude um pouco ameaçadora dos matulões, não podia deixar de pensar “Já fiz três amigos! Já fiz três amigos!”

Às 16.30 horas lá estavam os três matulões, de mãos nos bolsos. Quando chegou, cumprimentaram-no como a um príncipe.

— Oh! Cá está o nosso Superlobinho! Uau!! Superlobinho com uma supermochila!

O maior deles virou-se e mostrou a Lobito a mochila que usava, já velha e a desfazer-se.

— Vamos fazer um negócio: tu ficas com a minha mochila velha e dás-me a tua magnífica Superlobinho… Se não, apanhas — disse-lhe o matulão.

Lobito quis opor-se mas viu qualquer coisa a brilhar nas mãos do matulão. O que seria? Uma tesoura? Um X-ato? Esvaziou a pasta em silêncio e entregou-lha, muito contrariado.

— Muito bem, miúdo! Escolheste bem, porque se não… — e fez o gesto de o esganar: crrr!

No dia seguinte, Lobito saiu de casa em bicos de pés para a mãe não ver a nova mochila toda estragada.

A história repetia-se, dia após dia. Lobito viu-se sem a borracha Superlobinho, a T-shirt fofinha de lã de ovelha, os rebuçados de galinha, sem o carro Mannix telecomandado, e até sem a merenda que levava todos os dias para a escola. Mas como é que ele podia dizer que não, perante aquele brilho prateado nas mãos dos matulões e aquela ameaça do crrr?  Em

pouco tempo, começou a dar-lhes dinheiro, cada vez mais dinheiro, que retirava às escondidas do porta-moedas da mãe, e, pela altura do Natal, até os brincos de prata da mãe.

Sem nunca terem entrado em casa dele, os matulões sabiam tudo o que lá havia; é que faziam a Lobito longos interrogatórios sobre os brinquedos e as roupas de marca, e Lobito obedecia, respondendo a tudo. Não lhe tinha dito a mãe que devia responder educadamente a tudo o que lhe perguntassem? Era por isso que obedecia aos três matulões e aos “Se falas, estás feito!”

Não era verdade que ele não passava de um lobito sem importância, incapaz de fazer amigos? Não admira que agora sofresse as consequências!

Quando voltava para casa, a mãe-lobo observava-o com ar preocupado. É difícil esconder seja o que for de quem gosta de nós. Não adianta disfarçar atrás de um sorriso amável, dizer “Sim, a comida foi boa, trabalhei muito.” As mamãs reconhecem quando o coração do seu lobito está em aflição.

Quando chegava à escola, Lobito tinha cólicas e sentia o estômago andar às voltas. Levavam-no para a enfermaria onde se torcia com dores.

— Tens a barriga muito dura! — disse-lhe um dia a enfermeira. — Parece que tens aí escondidos muitos segredos feios.

— É uma coxa de frango que não passa — respondeu Lobito com voz muito fraca, sabendo muito bem que o que tinha era medo. O medo tinha começado  a  roê-lo  até  à  ponta  dos  bigodes. O medo que a mãe descobrisse que ele lhe assaltava o porta-moedas, o medo de apanhar uma tareia, o medo de ter medo…

Mas não dizia nada aos pais.

Aprendera a não denunciar e, ainda por cima, os matulões tinham-no ameaçado. Se dissesse a mais pequena palavra, eles até o esfolavam, por certo. Contaram-lhe o que fizeram a um miúdo da primária que se tinha recusado a dar-lhes o lanche.

Um dia, quando Lobito se aproximava do portão da escola, viu… o carro do pai. E o pai, com a sua voz possante, estava a ralhar aos três matulões!

— Ah! Agora percebo, sua cambada de ladrões, seus patifes!!

Lobito arrebitou as orelhas. Nem acreditava no que via! Ficou assombrado. Via que o pai era bem mais forte do que os três matulões! É que, depois de tantos pesadelos, Lobito tinha perdido o sentido da realidade. Imaginava que os matulões, com toda aquela raiva e cobiça, mediam, no mínimo, dois metros! Uma noite, tinha sonhado que os três matulões estavam a ameaçar o pai com uma metralhadora, diante de um banco. E agora, ao lado do pai, pareciam tão pequenos… Lobito, de olhos esbugalhados, admirava-se com aquele espectáculo de autoridade que vinha em seu socorro.

Desta vez, sim, à noite, o pai pregou um sermão a Lobito:

— A lei existe até entre os lobos! E a lei é ter o direito de fazer certas coisas e não ter o direito de fazer outras: roubar as pessoas, inventar desculpas, ameaçar os mais fracos… isso não se deve fazer, e é punido com prisão! Os lobos pequenos, mesmo os muito bem-educados, têm obrigação de se defenderem! Os três matulões fizeram uma coisa muito má e vão ser castigados.

Lobito recuperou os seus haveres: a pasta Superlobinho, o pólo Superlobinho e a borracha Superlobinho. Guardou-as no quarto e nunca mais as levou para a escola. E desde então, sente-se muito melhor, o Lobito! Havias de vê-lo no recreio… Hoje, é ele quem mais grita e ri. Já não tem necessidade de supermarcas para ser um superlobinho.

E acredita que os matulões perderam o interesse em andar atrás dele…

Sophie Carquain
Petites histoires pour devenir grand
Paris, Ed. Albin Michel, 2003
(Tradução e adaptação)

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