Uma boneca de trapos

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Era uma vez uma boneca de trapos. Feita pelas mãos pequenas de uma Menina.

Feita de trapos azuis, vermelhos, verdes, amarelos, rosas, violetas, cor-de-laranja.

Feita de trapos, de espanto à maneira que nascia.

E de flores. Eram flores aquelas cores do arco-íris.

E dois olhos bordados a retrós, com duas contas negras de vidro a servirem de meninas. As meninas negras dos olhos.

Dois olhos sempre abertos que nunca adormeciam. Sempre à espera de ver nascer o Sol.

E a Menina, que fizera a boneca por suas mãos, embalava-a. Para a adormecer.

E sabia que aqueles olhos negros não se fechariam nunca, nunca.

Como se fecham os olhos das bonecas ricas que têm pálpebras delicadas e pestanas de seda. Subindo e baixando.

E a Menina cantava para a adormecer. Com uma voz fininha feita de luz e ternura.

E a boneca ─ porque era de trapo ─ aconchegava-se nos braços pequenos da Menina.

E dormia de olhos abertos. Dormia a ver o Sol.

Toda ela espanto e flores. As meninas negras dos olhos — contas a brilhar.

E a Menina que fizera a boneca, que a cosera de muitos trapos ─ com agulhas de Chuva, dedais de Sol, linhas de Lua ─ dizia, parando de cantar:

─ Ela adormeceu…

E ficava muito quietinha, também, a olhar o Sol. Com a boneca aconchegada ao peito. Ambas de olhos abertos.

Matilde Rosa Araújo
O Sol e o Menino dos Pés Frios
Lisboa, Livros Horizonte, 2001

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