As cores do outono

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 No outono, como se regidas por um misterioso maestro, as folhas despem-se do verde que lhes é comum e tomam emprestadas as cores do sol.

O universo é cheio de segredos. No entanto, ao longo dos séculos, certos homens foram sendo iluminados para desvendarem os arcanos da Criação. Por exemplo, Arquimedes e Leibniz fizeram-no no campo nas ciências exatas; Hipócrates e Andreas Vesalius na medicina; e Aristóteles e São Tomás de Aquino na filosofia. As suas descobertas, e as de muitos outros, passaram para o património dos conhecimentos humanos, e hoje tanto jovens como adultos podem beneficiar dessa ciência nas diversas instituições de ensino disseminadas pelo mundo afora.

É bom ter presente, porém, que nem todos os ensinamentos se adquirem na escola ou na universidade; muitos deles, assaz úteis tanto para o intelecto quanto para a alma, estão postos ao alcance da nossa vista, e mesmo das nossas mãos. Assim, ao contemplar a imensidão do oceano, podemos ter uma noção profunda a respeito da grandeza, como muitos tratados filosóficos não são capazes de dar. O cachorrinho que continua a seguir o seu dono empobrecido, mesmo quando a comida não é abundante e o trato é pouco bondoso, pode falar-nos de fidelidade melhor do que muitos escritos bem idealizados.

Vale a pena dar uma vista de olhos ao reino vegetal. As plantas obedecem ao ciclo das estações. Ao despontar da primavera, os galhos das árvores cobrem-se de uma miríade de tenros e pequeninos pontos verdes, que, se de início surgem modestamente, passados alguns dias crescem com espantosa rapidez numa explosão de vida que o rigor do inverno parecia ter sobrepujado.

As macias folhas primaveris estão, por assim dizer, na sua infância. Entretanto, o calor do verão traz-lhes logo cores mais densas, elas tornam-se mais rígidas e o seu tamanho chega ao auge: atingem a maturidade. Agora exuberantes, elas, contudo, não descansam, na sua incessante tarefa de proporcionar ar e luz para a árvore que as gerou. Poderiam olhar com certo orgulho para os suculentos frutos pendentes dos ramos, pois esses elementos são, em parte, resultantes do seu trabalho.

Mas seguem-se as semanas. A colheita já foi feita. Um discreto vento frio começa a soprar… As folhas talvez percebam que a sua missão está encerrada, e pouco tempo lhes resta de vida. A árvore da qual todas nasceram começa a recolher a sua seiva, e o pedúnculo que prende cada uma delas ao galho torna-se aos poucos mais ressequido e quebradiço. É o momento delas darem o seu derradeiro lance. Como se regidas por um misterioso maestro, todas as folhas, quase ao mesmo tempo e numa mágica sinfonia, despem-se do verde comum a todas elas e tomam emprestadas as cores do sol…

Disputando entre si numa maravilhosa competição de beleza, umas vestem um amarelo radiante, outras um laranja incomparável, outras tingem-se ainda de um vermelho mais vivo que o sangue. Mesmo depois de terem sido arrancadas impiedosamente dos galhos, pelo vento, e atiradas ao chão, elas continuam por mais algum tempo a exibir as suas cores fascinantes, num encantador mosaico que cobre o solo.

Na hora de se despedirem da vida, tornam-se mais belas do que jamais o foram em toda a sua existência. Em vez de trazer melancolia, o seu adeus inspira-nos uma alegre aceitação das regras simples e naturais, inerentes ao ciclo da existência nesta terra. O singelo exemplo das folhas fala por si.

Se estas chegam aos seus últimos dias com tanta “nobreza”, porque não haveremos nós, homens, de fazer o mesmo? Assim, muito se engana quem imagina que, quando passam a pesar sobre os ombros de uma pessoa os anos e os incómodos da velhice, a vida já não tem para ela encanto nem razão de ser. Sem dúvida, o físico decai, mas o espírito pode e deve buscar um contínuo aperfeiçoamento; e alguém que com sinceridade de coração almeja a verdade e o bem, no entardecer da vida poderá com despretensão oferecer a outros a generosa dádiva das virtudes, do bom exemplo e da experiência, cuja beleza sobrenatural supera em brilho as cores de todos os outonos…

Carlos Toniolo

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