O sapo que não parava de coaxar
Era uma vez um sapo grande que coaxava muito. Coaxava atrás da mata, na beira do lago do Virasaco. Era um tanto ou quanto estabanado, era por isso que vivia sozinho, pois os outros sapos ficavam furiosos quando ele afugentava os insectos para não serem devorados.
Ele era assim, desse jeito, diferente dos outros. O que podia fazer! Por vezes, passava fome por não querer comer aqueles pequenos bichinhos com ossos ou sem ossos.
Talvez fosse essa a razão pela qual coaxava demasiado. Coaxava tanto que o som do seu coaxo entrava pela janela e ecoava por toda a cabana, não deixando Gabriel dormir.
Um belo dia, não mais que de repente, Gabriel decidiu pegar um saco e ir até o lago do Virasaco, onde morava o sapo.
Esperou que o sol se escondesse por detrás das montanhas para que ele não testemunhasse sua pequena maldade e foi chegando de mansinho, bem de mansinho… até que conseguiu prender o sapo no saco.
O coração de Gabriel pulava tanto, tanto quanto o endiabrado sapo de olhos esbugalhados dentro do saco.
— E agora — pensava ele — o que fazer com o sapo?
De súbito, o sapo deu um coaxo bem alto e falou. Isso mesmo, falou:
— Olá, sou conhecido como Sapo Cururu. A minha família costuma viver nos cerrados e florestas tropicais e alimenta-se de pequenos animais invertebrados e vertebrados. Vivemos em média de 10 a 15 anos em ambiente natural e até 20 anos em cativeiro, quando nos aprisionam para fazer pesquisas. Eu tenho muito orgulho da minha família, pois o sapo cururu, que mede entre 10 a 15 centímetros, é o anfíbio mais comum que existe na fauna brasileira. É como o povo que vive na sua cidade, não é? O povo não é constituído por pessoas comuns?
Refeito do susto, o menino endireitou o corpo, respirou fundo e respondeu:
— A minha família chama-me Gabriel. Dizem sempre que este nome significa ‘mensageiro de Deus’. E eu sinto-me importante por isso. Mas tu, um simples sapo, falas?
— Normalmente eu só coaxo, contudo, quando me vejo acuado, com muito medo, desato a falar como vocês.
— E agora estás com muito medo?
— Claro que estou! Aqui dentro é muito escuro e apertado. Mesmo com esses olhos grandes e esbugalhados não posso ver nada, nem mesmo a lua que logo, logo virá mergulhar no lago. O que você vai fazer comigo?
— Eu ainda não sei, Sapo Cururu, o que sei é que não me deixas dormir por causa do teu coaxar.
— Ora, ora, Gabriel, as pessoas falam e os sapos coaxam, não é? A natureza foi criada assim. Sabes que nós, os sapos cururu, possuímos duas glândulas de veneno na parte superior da cabeça — continou ele…
Gabriel deu um pulo para trás, largou o saco que se abriu para o sapo e ficaram assim os dois, olhando um para o outro por algum tempo, até que o Sapo Cururu prosseguiu:
— Então Gabriel, não te assustes! Nós só usamos esse veneno para nos defendermos dos nossos predadores, como por exemplo, de uma serpente. Uí, até me arrepio quando falo dela.
— Mas as cobras gostam de comer sapos?
— Se gostam! Mas quando uma cobra chega à nossa beira, nós levantamos as patas, ficamos mais esticados, parecendo bem maiores do que realmente somos e inclinamo-nos como se oferecessemos as glândulas para que ela as mordam. Na maioria das vezes esse nosso jeito de lidar com a cobra funciona, pois mesmo que ela nos morda, perceberá um gosto desagradável, devido ao amargor do veneno e assim acaba por soltar-nos. E de certeza que não vai ter mais vontade de voltar a alimentar-se alimentar de sapo cururu — dizendo isto, não resistiu e deu uma boa gargalhada.
Gabriel ainda estava mudo. Agora era ele que se sentia assustado, como se fosse ele o sapo preso dentro do saco. Mas algo na gargalhada do sapo lhe tocou no coração. Aquele sapo tinha a pele diferente da sua, mas pareciam tão iguais!
Interrompendo o silêncio, olhando em direção ao menino, o Sapo Cururu, falou docemente:
— Não podemos ser amigos? Há muito tempo que me sinto só nesta mata imensa. Só a lua é minha amiga e vem visitar-me todas as noites, assim que o calor do sol se esvai das folhas.
— Mas tu és um sapo e tens a pele tão diferente da minha! Como podemos ser amigos? Os amigos costumam ser parecidos.
— Mas afinal, Gabriel, não somos todos iguais? O que é uma pele, além da aparência? Penso que o que está dentro vai importar mais. Essa sempre foi minha grande diferença em relação aos outros sapos. Nunca concordaram com a minha maneira de pensar. Até diziam que os sapos não foram feitos para pensar. Leva-me para tua casa, Gabriel, prometo não voltar a coaxar.
Gabriel levou seu novo amigo, o sapo que se chamava Cururu. Nem precisou do saco. Caminharam lado a lado como fazem os amigos.
Durante três dias, no quarto de Gabriel, o sapo falou da sua vida na água, enquanto girino e da sua vida na terra, enquanto sapo. Durante três dias permaneceu sem coaxar.
Gabriel sorria largo pela cabana. Tinha agora um amigo de pele diferente da sua, mas um grande amigo. Sentia que não conseguia abraçá-lo, pois em todas as tentativas, o sapo escorregava e pulava. Era a natureza dele, e ele entendia.
Na quarta noite, Gabriel foi desejar bom sono ao Sapo Cururu, mas percebeu que estava diferente. Tinha-se transformado num boneco de fios verdes, macios, com um enorme sorriso na cara. Os olhos esbugalhados, os mais doces que já vira num boneco.
Desde então , todas as noites, depois de conversar com seu anjo da Guarda, Gabriel dava um abraço bem apertado no seu verde e lindo amigo Sapo Cururu, que já não lhe escapava das mãos e que ouvia todos os seus segredos num respeitoso silêncioso.
Sabem que mais? Ele só voltou a coaxar quando percebeu que Gabriel precisava ouvir uma nova história.
E podem crer: essa história que acabo de contar é a mais pura verdade. E essa verdade assemelha-se ao sorriso que coloco nos traços do meu rosto quando vejo a Primavera florescer.
Heleida Nobrega, Setembro de 2007
texto adaptado