O coelhinho Luís tem um amigo verdadeiro. É o Coelho Lucas.
Na escola, Luís e Lucas estão sempre ao lado um do outro e visitam-se um ao outro, às quartas-feiras, dia em que não têm aulas de tarde.
O Luís gosta muito de conversar com o Lucas. Sobretudo porque Luís conhece toda a espécie de palavras. E quando tem alguma coisa para dizer, não tem problema nenhum.
Quando brincam na toca, se Lucas quer deitar abaixo o seus castelos de nozes, então o Luís diz-lhe as-palavras-para-não-deixar-que-o-ofendam:
— Se estragares o meu castelo, eu esmago o teu túnel!
Na escola, quando Lucas fica todo vaidoso por ter desenhado uma raposa, que nem sequer tem o focinho aguçado, o Luís não hesita e diz-lhe as-palavras-quatro-verdades:
— O teu desenho é muito feio. As raposas não são assim.
Às vezes, discutem. E o Luís diz ao Lucas as-palavras-de-cólera, os palavrões, aquelas palavras que saem da boca muito depressa.
Chama-lhe doninha-velha, cogumelo bolorento, coruja cabeluda!
Uma vez, o Luís e o Lucas puxaram os bigodes um ao outro e quase arrancavam os rabos! Estavam muito zangados!
Então, o Luís soube dizer ao Lucas as-palavras-que-fazem-esquecer-tudo, aquelas que conseguem consertar tudo. Disse-lhe:
— Desculpa, Lucas!
E fizeram as pazes.
Mas naquela manhã, Luís não diz nada. Não fala com Lucas porque Lucas não está. O lugar ao lado do Luís está vazio. Lucas não veio às aulas.
Luís sabe porque é que Lucas não está. Há já muito tempo que a mãe de Lucas estava doente. O doutor Coelho tentou tudo mas não foi capaz de a curar e a mãe do Coelho Lucas morreu naquela noite.
Esta manhã, o Coelho Lucas foi ao enterro da mãe com todos os coelhos da família; e com o seu terrível desgosto. É por isso que não veio à escola.
Na sala, a professora manda o Luís arrumar os carros feitos com cenouras, mas ele não ouve. Está a pensar no Lucas e na mãe.
Recorda que ela fazia bolos de avelãs de propósito para ele, quando ia brincar com Lucas a casa dele.
No recreio, o Coelho Leão conta ao Luís uma história nova e engraçada de Totó, o Zigoto, mas o Luís não se ri. Pensa no Lucas e na mãe.
Lembra-se da sua voz quando fazia palhaçadas. Lembra-se da sua voz, no dia em que ficou furiosa porque o Lucas e o Luís se tinham disfarçado de coelhos piratas com os lenços dela. Lembra-se também de que, às vezes, estava tão ocupada, que o Luís não a via, mas ouvia-a a cantar.
Luís regressa a casa. Começou a nevar e todos os coelhos, todos, estavam maravilhados. Gritam, rebolam-se, atiram mãos-cheias de neve uns aos outros. Mas o Luís, não. A neve é leve, e o seu coração está tão pesado de desgosto que nem ela lhe faz bem.
Sofre pelo seu amigo Lucas. Luís gostava muito da mãe do Lucas.
Olha para a neve que cai. Acha que é magia, aquela neve a vir do céu, uma verdadeira arte de magia.
Luís queria tanto que um mágico também fizesse magia para a mãe de Lucas…
Luís está deitado na cama. A mãe vem dar-lhe um beijo e diz-lhe:
— Vejo que estás triste pelo Lucas e pela mãe. Fala comigo, meu Coelhinho querido.
Mas as palavras ficam entaladas na garganta do Luís e magoam tanto, que o Luís desata a chorar.
Então é a mãe que fala com carinho e diz ao Luís palavras misteriosas:
— Sabes, Luís, uma mãe coelho não abandona assim o seu coelhinho.
E depois diz também palavras de sabedoria:
— Antes por vezes o Lucas estava na escola e a mãe em casa. Eles não se viam, não podiam tocar-se. No entanto, isso não impedia que gostassem um do outro.
Termina, dizendo palavras que nunca mais se esquecem:
— Sabes, a mãe do Lucas não se vê, mas não é por isso que ela deixa de estar presente…
E dá-lhe um grande beijo, um beijo quente, que fica muito tempo na sua face fofa de coelho.
Luís diz para si que, quando se está triste, faz bem um beijo verdadeiro. Ele gostava de poder emprestar a sua mãe ao Lucas para ele ter menos desgosto, mas claro que não seria a mesma coisa.
Então, adormece a pensar que, amanhã, o Lucas vai estar na escola. E ele, como seu amigo que é, vai falar com ele. Vai dizer-lhe palavras-que-fazem-bem, palavras para curar o seu desgosto.
Naquela manhã, Lucas volta para a escola. Senta-se ao lado do Luís. E, no coração do Luís, há toda uma montanha de palavras que se atropelam umas às outras. “Já chegaste, estás aqui, tive saudades tuas, ontem pensei todo o dia em ti e na tua mãe.” Mas o Luís gagueja, começa a tremer, não se atreve a dizer palavras como estas. Então, diz as-palavras-para-falar-de-outra-coisa: conta uma história de Totó, o Zigoto, e outra, e outra…
Fala alto, faz-se engraçado. E quando já não tem mais histórias para contar, pára. O Luís não sabe o que dizer. E durante todo o dia, procura, procura palavras para fazer bem ao seu amigo. Palavras para curar o seu desgosto. Ficam ao lado um do outro, o Luís e o Lucas, mas não falam. E depois, à tarde, no meio da neve, não vão pelo caminho do costume, por aquele onde há barulho e gritos. Não estão com muita vontade. Seguem um caminho silencioso. E é ali, no silêncio do Inverno, que ouvem o vento, o vento que sopra suavemente nas árvores. O vento acaricia-lhes as faces e é ele que sugere uma boa ideia ao Luís. Então, o Luís fala ao Lucas e diz-lhe:
— O vento faz-me pensar na tua mãe.
Lucas fixa-o com um olhar tão triste, que Luís continua:
— O vento, sabes, é como a tua mãe. Às vezes canta, outras vezes está zangado. Outras vezes também, é meigo. A tua mãe, agora, é como o vento. Não a vemos, mas sentimos que ela está aqui.
O Luís e o Lucas ficaram amigos. Para toda a vida. E que palavras eles disseram um ao outro! Palavras bonitas, palavras fortes, palavras divertidas. Mas as palavras do Luís, essas, Lucas nunca as esqueceu.
Luís e Lucas são amigos.
E se vocês soubessem como eles gostam quando ouvem o vento rir!
Agnès Bertron
Une maman comme le vent
Paris, Actes Sud, 2000
Tradução e adaptação