Era uma vez uma família de ratinhos que vivia num sótão, em Paris. Podia ser num outro sótão qualquer, mas não: era no da Ópera! Os ratos, segundo dizem, são extremamente inteligentes, mas não se disse ainda até que ponto têm ouvido musical. Estes ratinhos tinham escolhido aquela residência porque podiam ouvir música por uma boca de ventilação. Como se sentiam felizes a ouvir as suas melodias preferidas, de mãos erguidas como se estivessem a rezar! O pai, a mãe, os avós e as duas meninas…
Sempre que havia uma estreia, vestiam um fraque ou um vestido branco comprido. As duas meninas, Magali e Magalá, tinham feito um tutu cor-de-rosa a partir de uns pedaços velhos de tule esquecido. Dançavam em pontas ao som da música do Quebra-nozes. Sonhavam que eram bailarinas famosas.
Naquela família não se falava muito. Os ratos são muito discretos. É por isso, com certeza, que gostam de música. Cruzavam os braços, fechavam os olhos, ouviam em silêncio com os olhos cheios de estrelas. Se alguém lhes perguntasse alguma coisa, teriam respondido:
– Chiu! Deixemos a música falar.
E mais nada.
Deixavam que a música falasse por eles.
Assim decorria a vida, como uma longa frase musical.
A vida nem sempre é cor-de-rosa mas, por favor, não me perguntem porquê. Por vezes, um bemol ou uma colcheia pregam-nos uma partida. A isso chama-se um desastre, um acidente.
No dia em que fazia quatro anos, Magali estava tão concentrada a fazer pontas que não viu chegar Verdi, o gato do chefe da orquestra! E comeu-a de uma só dentada, clic-clac! E lá se foi a estrela bailarina. Também se podia ter afogado ou ter apanhado aquela doença que não deixa escapar nenhum rato. É o que se chama um drama e que acontece em dois tempos. Bem, mas não é preciso ter medo. Há uma hipótese mínima em milhões que isso venha a acontecer e os ratinhos, mesmo os de quatro anos, têm tudo o que precisam para escaparem ao destino.
Quando a morte entra numa família, ainda que seja uma família de ratos, é uma desgraça terrível. Sobretudo quando há uma menina que se chama Magali e que tem quatro anos. Os pais pensavam: “Nunca vamos conseguir esquecê-la!” Magalá pensava: “Mas porquê ela e não eu?” O mais terrível era para os avós. “Como é possível?” – pensava a avó, de cabelos grisalhos – “A morte enganou-se. Nós é que devíamos ter ido em primeiro lugar, e foi ela quem morreu!”
Era um bemol no coração, um rio de lágrimas, um silêncio, uma pausa, uma cacofonia, tudo lá dentro. Não havia nada para dizerem uns aos outros. A música estava lá, mas tinha mudado de lugar. Já não estava do lado do sonho, ou da felicidade, mas da terrível desgraça. Porque a música também se dá com a tristeza e a saudade.
E foi assim que, de repente, os nossos ratinhos ficaram incapazes de ouvir uma nota que fosse. Porque ia despedaçar-lhes os corações e lembrar-lhes a irmãzinha.
Passaram a detestar aquela música que os havia encantado e que tanto lhes fazia lembrar a pequena bailarina.
Então, em silêncio, taparam a boca de ventilação do sótão, meteram algodão em rama nos ouvidos. Foi como se também eles tivessem morrido. É o que se chama fazer o luto.
Por vezes as lágrimas corriam mesmo sem eles quererem. Limpavam-nas às escondidas, a barafustar:
– Oh, que poeirada neste sótão! Temos de nos decidir a limpá-lo.
Foi então que um dia, passadas algumas semanas, Magalá, ao encostar o ouvido ao soalho, ouviu os primeiros acordes de O Quebra-Nozes. Era a passagem preferida de Magali. Nesse momento, qualquer coisa dentro dela começou a vibrar como um violino retirado de um armário depois de muitos e muitos anos. E, curioso, a música já não era triste. Magalí pôs-se a fazer pontas.
A partir daquele dia, destaparam os buracos de ventilação e puseram-se a ouvir, em silêncio, aquela música tão linda e que vinha de tão longe, das profundezas do mundo ou, talvez, do coração de Magali. Ouviam-na de mãos postas, de olhos fechados, ainda com mais amor do que antes.
Ouviam Magali a rir, viam-na dançar e rodopiar em bicos de pés! “Agora já sei porque gosto tanto de música,” pensou o pai. “A música alarga o universo. Leva-nos para longe. Muito longe. Para um lugar onde talvez Deus exista. Com a Magali.” Mas calou-se.
A mãe pensava: “A música fala-nos de um lugar onde está Deus e todos os que já desapareceram. É um lugar que não é na Terra, mas talvez no Céu. Por isso é que é tão bela!” Mas calou-se.
E Magalá pensava: “É como um álbum de fotografias. Basta ouvir algumas notas para ver Magali à frente dos meus olhos. Ainda penso mais nela!” Mas calou-se.
– Eu – disse muito alto a avó rata – estou a ouvir a nossa Magali. – Ouço-a rir por entre as notas, vejo-a dar voltas no seu tutu cor-de-rosa. Ouçam! É como se estivesse aqui…
A avó rata não se deu conta de que tinha falado muito alto. Era a primeira vez que o nome de Magali era pronunciado. As suas palavras ecoaram como numa catedral.
Perante aquelas palavras, a mãe limpou uma lágrima com a ponta do avental.
– Outra vez pó nos olhos – desculpou-se ela. – Oh! Quem é que vai fazer limpeza a este sótão?
Quanto ao gatarrão, cheio de remorsos, tinha um pesadelo no coração. Deu meia volta, sempre a pensar: “Deixemos lá os ratos. São indigestos e, ainda por cima, espertos!”
E fugiu do sótão da Ópera para se voltar para… os peixes vermelhos.